sábado, 8 de novembro de 2008

Gordura Trans

Inventada pela indústria alimentícia para deixar os alimentos mais saborosos e conservados, a gordura trans tornou-se uma das principais vilãs das dietas atuais.

1. O que é gordura trans?
É um tipo de gordura produzida industrialmente a partir de um processo químico, a hidrogenação. Usada desde o início do século passado, ela passou a ser consumida com mais freqüência, e sem culpa, a partir dos anos 50. Por ser proveniente de óleos vegetais, acreditava-se que a gordura trans era uma opção mais saudável à gordura animal - que comprovadamente aumenta o LDL (colesterol ruim) no sangue. A partir da década de 80, estudos científicos provaram que a trans é um dos grandes venenos da alimentação moderna.

2. Como funciona o processo de produção?
Os óleos de origem vegetal são colocados em uma câmara de hidrogênio. Eles são submetidos a alta pressão e temperatura e, assim, transformados em uma pasta preta de odor ruim. Depois, esta pasta é alvejada até ficar sem cor e é desodorizada para perder o cheiro. A gordura, agora semi-sólida, fica com a textura ideal para o processamento e preparo industrial de alimentos.

3. Por que ela recebe este nome?
Gordura trans são ácidos graxos insaturados. A designação "trans" vem de "transversos" e o nome é referente à ordem da cadeia de átomos do ácido graxo. Em um óleo encontrado na natureza, por exemplo, os átomos estão distribuídos em posição paralela. No entanto, quando é submetido ao tratamento industrial de hidrogenação, a estrutura química do óleo é modificada, fazendo com que os ácidos graxos fiquem com os átomos em disposição "diagonal" - ou em alinhamento transversal (trans).

4. Quais alimentos possuem essa gordura?
A maior concentração dela está nas bolachas, pipocas de microondas, chocolates, sorvetes, salgadinhos, pastéis, folhados, tortas, bolos, tudo o que utiliza as margarinas nas receitas. Os combos servidos nos restaurantes de fast-food estão no topo da lista de alimentos com gordura trans. Até alguns produtos diet e light não escapam da vilã. A carne e o leite de animais ruminantes, como bovinos e caprinos, possuem gorduras trans em quantidades mínimas, quase inexpressivas. Neste caso, ela se forma a partir do processo de hidrogenação natural no rúmen dos animais. Como a quantidade é insignificante, especialistas nunca se referem a estes itens quando criticam e restringem a gordura trans.

5. Quais são as taxas de ingestão recomendadas?
Os especialistas explicam que a gordura trans não é sintetizada no organismo humano, por isso permanece depositada no corpo. O ideal é não consumi-la nunca, mas os médicos, cientes da impossibilidade da restrição no mundo atual, recomendam o consumo mínimo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a ingestão de gordura trans não ultrapasse 1% do valor calórico da dieta.


6. Por que ela é tão prejudicial à saúde?
A gordura trans aumenta o LDL e diminui o HDL no sangue. Ela também é responsável pela produção da gordura visceral, que se acumula na região da cintura. Isso leva à síndrome metabólica, uma conjunto de doenças graves: diabetes, pressão alta, alto nível de colesterol ruim e de triglicérides no sangue. Essa combinação causa acúmulo de placas de gordura na parede dos vasos sangüíneos, fator que pode resultar em ataque cardíaco e AVC. Pesquisas sugerem que as mulheres que consomem altos índices de gordura trans têm duas vezes mais chances de sofrer de câncer de mama. Já outros estudos indicam que a gordura trans faz com que as membranas percam sua flexibilidade, dificultando a transmissão de impulsos nervosos, que podem estar ligados com o aumento da incidência de depressão.

7. Para a indústria, qual a vantagem de sua produção?
Embora pareça não ter nenhum ponto positivo, a gordura trans é a grande responsável por fazer com que os alimentos fiquem saborosos. Ela também valoriza a aparência dos alimentos, deixando-os mais dourados e crocantes - no caso de salgadinhos de pacote e alguns tipos de bolachas. Além disso, a gordura trans aumenta o prazo de validade, permitindo que os produtos permaneçam muito mais tempo nas prateleiras sem estragar.

8. Existe alguma alternativa à gordura trans?
Algumas indústrias alimentícias já dispõem de óleo de palma em substituição à trans. A utilização desse óleo tornou-se viável já que ele conseguia manter as características de conservação, sabor e crocância sem precisar passar pelo processo de hidrogenação. Apesar de ser menos nocivo que a gordura trans, o óleo de palma não é a opção mais saudável já que possui gorduras saturadas. Alternativas como óleos de oliva e canola fariam melhor ao organismo humano, porém, como são líquidos, os fabricantes argumentam que o custo para transformá-los em gordura sólida não compensaria.

9. Como posso saber se o alimento é rico em gordura trans?
Em 2006, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou que o item "gordura trans" passasse a ser impresso na tabela nutricional do rótulo dos alimentos. Com isso, as empresas foram obrigadas a especificar, além do teor de lipídeos e de gorduras saturadas, a quantidade total de ácidos graxos trans presentes nos produtos. Os dados nutricionais, que já não são fáceis de serem interpretados por um consumidor leigo, às vezes são maquiados e até falsos. Os fabricantes chegam a informar, por exemplo, que a metade de uma bolacha tem a quantia total de 0,2 g de gordura trans. O problema é que as pessoas não costumam comer apenas meio biscoito e a informação acaba passando despercebida. No caso de restaurantes e lanchonetes, não há obrigatoriedade de informar sobre a quantidade de gordura trans. Alguns deixaram de usá-la voluntariamente em suas receitas.

10. Já existem alimentos sem essa gordura?
Nas prateleiras dos supermercados é possível encontrar produtos denominados "trans free", como sorvetes, bolachas e margarinas. Não há, necessariamente, um destaque desse fato na embalagem. Para ter certeza, é preciso checar a tabela nutricional. Segundo a Anvisa, o alimento que tiver quantidade menor ou igual a 0,2 grama de gordura trans pode se promover como "zero trans". Para se ter uma idéia, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), apenas 30% dos biscoitos vendidos no Brasil são livres de gordura trans.

11. Ela é proibida em algum lugar do mundo?
Há um esforço global para que a gordura trans suma do cardápio. Alguns países optam por adotar apenas medidas educativas para informar as pessoas. A Dinamarca resolveu proibir e considerar a gordura trans uma substância ilegal no seu país - exemplo seguido pela Suíça. O Ministério da Saúde australiano anunciou que colocará prazo para que as indústrias a substituam, assim como foi feito no Canadá - onde o governo deu três anos. Nos Estados Unidos, as cidades de Nova York, Filadélfia e Seattle já proíbem o uso deste tipo de gordura. Recentemente, o estado da Califórnia se tornou o primeiro do país a aprovar uma lei proibindo os restaurantes e comerciantes de alimentos de usar gordura trans. A lei, que entra em vigor em 2010, poderá multar os estabelecimentos que descumprirem a ordem.


12. E no Brasil, qual a posição das indústrias em relação a eliminação da gordura trans?
As indústrias não aceitam qualquer prazo para eliminar a gordura trans dos alimentos consumidos no país. A Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) alega que há falta opções para substituir esse tipo de gordura. Ela justifica que está se empenhando em novas pesquisas. O presidente da Abia, Edmund Klotz, chegou a ironizar o prazo sugerido pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo ele disse que se fosse fixada uma data para acabar com a gordura trans, seria necessário voltar à época da "velha banha de porco".

Matéria publicada na Revista Veja - 08/out/2007